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(In)tolerância?

Em uma de minhas viagens a trabalho, me deparei com uma situação de alguns minutos, mas que me deixaram ensinamentos para uma vida toda. É aquela cena habitual de um viajante a negócios, trocar ideias com pessoas que compartilham acentos lado a lado no avião.

Em uma tarde quente de início de verão, estava eu com meu kit viagens preparado para uma jornada de 15 dias pela Centro América, iniciando pelo Suriname no norte da América do Sul. Em uma das escalas, me deparei com um senhor sentado ao meu lado, com aparência de 60 anos, expressão de muitas experiências e conhecimento. Educado e de forma muito cortês, iniciou um diálogo comigo. Muito cristão, portava um livro sobre Cristianismo como companheiro de voo e sempre mencionou Jesus em boa parte dos seus comentários até então, de quanto era dedicado a igreja e aos ensinamentos da bíblia. Tínhamos experiências em comum profissionais, pois ele também já havia trabalhando como trader de exportação, levando produtos de outro segmento do Brasil para o exterior.

- Minha última estadia na Alemanha me causou arrepios - disse ele - A Alemanha está passando por uma complicada dissipação de tradições e essência.

- O senhor acha? - O questionei.

- Sim! Totalmente, e tudo graças aos imigrantes, principalmente os imigrantes muçulmanos. Não se adaptam a nenhum estilo cultural, todos em volta devem se adaptar aos deles. Nós cristãos somos totalmente diferentes, mas repudio esse tipo de posicionamento islâmico.

Somente escutei seu posicionamento, em seguida continuou.

- E o Brasil não está muito diferente! Nada contra, mas veja os refugiados Haitianos e Venezuelanos, já são um grande problema social em nosso país. Deveríamos rever totalmente o sistema de alfandegas e fronteiras em nosso país, pois do jeito que está, não dá mais.

Depois de muito ponderar, pois levo muito em consideração a realidade que esse senhor possa ter passado, mas resolvi passar meu ponto de vista sobre esse discurso:

- Muito me admira. - Comentei.

- Como assim? - Me questionou, sem entender muito bem meu posicionamento.

Sutilmente, respondi: - Muito me admira o senhor, ter essa visão perante a religiões distintas da sua e sobre imigrantes.

- Por que você acha isso, Pryscilla? - Questionou novamente, sem entender.

- Pois seu discurso inicial foi totalmente o oposto do que está me repassando agora. Como cristão e fiel a igreja e a bíblia, creio que saiba, muito mais do que eu, qual era o ideal e linha de pensamento que Jesus tentou nos ensinar: Compartilhe o pão, amai ao próximo, independentemente de sua origem, etnia, religião, e jamais vire as costas para quem necessita.

Já estava esperando um discurso pronto, de oposição ao meu comentário. Mas seguimos a viagem, sem trocar mais nenhuma palavra. E então percebi que pude fazer uma pessoa refletir, uma pessoa com conceitos pré-estabelecidos e moldados por 60 anos. E isso é maravilhoso.

Conclusão que tirei com essa passagem: O ser humano, em sua grande maioria, pode ser tendencioso, focado em sua realidade, em sua criação e o que foi repassado por sua vida toda. Julgamos sem consentimento, sem empatia, sem nos colocarmos na situação do outro. Somente levamos como lição aquilo que nos convém e muitas vezes nossos princípios são totalmente distorcidos por conveniência. Nos julgamos tolerantes e humanos, questionando ajuda aos refugiados, ou a abertura da Alemanha para imigrantes. A Alemanha (especialmente a cidade de Berlim), é um grande exemplo de humildade e aprendizado com os próprios erros.

É muito conveniente, nos intitularmos pessoas tolerantes, mas rejeitarmos ajuda para quem mais precisa, em uma situação tão difícil quanto estão passando Haitianos por situações naturais e Venezuelanos por instabilidade e sistema governamental ineficaz, com a desculpa de não termos condições para isso. Sim, o Brasil passa por grandes dificuldades. Sim, existem muitas pessoas ruins e aproveitadoras. Mas e se estivéssemos na mesma situação? Se as fronteiras de saída de nosso país, na esperança de uma vida melhor, fossem fechadas?

Espero que o ser humano jamais apague essa chama, que é da essência principal do nosso ser: Todos somos seres humanos. E somente juntos, poderemos fazer desse planeta, um lugar melhor para se viver. Nunca é tarde para revisarmos conceitos e ideais, não tenha medo, colega! 

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