logo RCN

'Eu tive que colocar minha saúde em primeiro lugar'

  • Renata Ely -

Sabrina de Marco foi diagnostica com câncer no ovário aos 17 anos de idade. Após cirurgias e tratamento de quimioterapia, venceu a doença

Caracterizado por um grupo doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais e que pode ocorrer em qualquer local do organismo, o câncer infantil possui estimativa de 12.500 novos casos para 2018, segundo dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). O Instituto afirma que o progresso no tratamento da doença na infância e adolescência é significativo, e que cerca de 80% das vítimas podem ser curadas.

Esse é o caso de Sabrina de Marco, natural de Pinhalzinho, que descobriu ser vítima da doença com 17 anos de idade, em 2015. Porém, o caminho foi longo até descobrir o que causava suas dores. "Sentia dor desde o fim da primeira série do ensino médio, como uma cólica que nunca passava. Ia consultar e tratava com remédios. Fiz vários tratamentos, mas não passou", relata a estudante de direito, que hoje tem 20 anos.

Quando fez a primeira ultrassonografia, o médico notou líquidos espalhados pela barriga, mais especificamente na região do ovário. Com isso, Sabrina foi encaminhada ao especialista em ginecologia, que diagnosticou o líquido como sangue, e indicou que a estudante emendasse o anticoncepcional por seis meses, para que o corpo pudesse absorver o sangue.

Porém, durante o período, Sabrina notou a barriga inchar e afirma ter aumentado a dor. Então, fez mais uma ultrassonografia, que demonstrou que o líquido permanecia e em maior quantidade. "A minha mãe questionou o médico, que se não tivesse tratamento, era pra abrir e tirar o sangue, se isso fosse parar com a dor", descreve. E nesse período, cerca de oito meses depois de iniciar as consultas com o ginecologista, foi marcada a primeira cirurgia, em julho de 2015.

Durante a cirurgia, o médico se deparou com uma massa diferente. "Ele disse que era uma massa que nunca tinha visto, que se desmanchava quando encostava. Por isso, ele chamou outros médicos para analisar, mas nenhum sabia do que se tratava. Então, foi tirada uma parte da massa para biopsia, e eu continuei com dor por mais um tempo", explica Sabrina.

Na primeira vez, a biopsia voltou inconclusiva, sem resultados. Quando foi enviada novamente, com outro destino, voltou com a possibilidade de ser um tumor de ovário. Boderline era o nome. "Quem buscou o resultado foi minha mãe, eu estava trabalhando. Ela logo veio me contar, e eu me desesperei. O médico falou pra ela que não era nada grave e que ele iria me encaminhar para um especialista com urgência para adiantar as coisas", relata.

A primeira consulta com o especialista em oncologia foi em setembro e depois de encaminhar exames e analisar os resultados, contou à estudante que seria necessário uma operação para remover o tumor. "Ali eu já estava mais tranquila, porque eu era bem positiva. Pensava que era só um tumor, que iria operar e ficar boa". Então, em novembro foi realizada a cirurgia.

O tumor havia originado do ovário direito, porém, acabou por englobar o esquerdo, que estava mais afetado. Dessa forma, o médico tirou a massa e o ovário esquerdo. Foi depois da cirurgia que veio a notícia. "Ele contou pra minha mãe o que estava acontecendo, que minha barriga estava cheia de raízes, que são os linfonodos, e explicou que eu teria que fazer quimioterapia, operar novamente e fazer mais quimioterapia. Até então eu estava feliz, no pós operatório, pensando que eu estava bem, mas quando fui pro quarto ela me contou. Eu só lembro que tinha um relógio na parede e que eu foquei nele, enquanto ouvia tudo que ela falava. Quando ela falou em quimioterapia, eu travei e só sabia chorar. Chorava e me desesperava, porque eu não queria", relata a estudante.

Foi um tempo até que Sabrina se adaptou com a ideia, pensava que a vida havia sido interrompida pela doença. "Pensava que não tinha mais o que fazer, que teria que viver disso. Eu lembro que minha mãe falou que se eu não quisesse fazer por mim, era pra fazer por ela", conta. Quando o médico foi conversar com ela, um dia após a cirurgia, quem tocou no assunto da doença foi Sabrina. "Eu lembro que perguntei a ele, que se eu fizesse tudo certo, se eu teria 100% de chances. Ele me respondeu que na medicina nada é 100%. Isso me desesperou, porque tudo que eu queria era uma resposta positiva". O médico, no entanto, afirmou que faria todo o possível.

Dia 15 de dezembro, Sabrina fez a primeira aplicação da quimioterapia. O médico responsável pelo procedimento explicou que as aplicações seriam realizadas toda semana e que seriam quatro ciclos, no total de 12 sessões, antes da cirurgia. "Eu fiz a primeira aplicação na veia e foi terrível. Até que estavam dando os preparatórios, que eram nove, estava normal. Mas quando os medicamentos da quimioterapia começaram a entrar na minha veia, eu sentia como se meu braço estivesse sendo triturado. Sentia muita dor, queria arrancar tudo e sair correndo de lá. Pensei que se fosse assim toda vez, não iria aguentar", relembra Sabrina.

Por meio de uma paciente que estava ao lado, Silvana, mãe da Sabrina, teve conhecimento sobre o cateter e colocou o nome da estudante na lista de espera. "Não tinha previsão para conseguir. A mulher deu um prazo de três meses, mas na mesma semana ligaram que havia surgido uma vaga. No dia que coloquei o cateter, me arrependi. Era um corpo estranho, então a dor era bem grande. Mas depois me acostumei e nem sinto mais", descreve a estudante.

Quanto aos cabelos, Sabrina havia sido orientada pelo médico de que iria cair 100%. "Essa foi uma das coisas que mais me preocupou. Eu sei que é bem desnecessário, mas foi algo que me preocupou porque eu estava em uma fase que gostava de sair. Eu não gostava quando as pessoas me comparavam com mulheres que tinham passado pela mesma coisa, porque as mulheres tinham 50 ou 60 anos, eu tinha 17. E o meu cabelo era importante pra mim", realça. Sabrina foi orientada a cortar e fazer peruca e, então, na semana da primeira sessão de quimioterapia, foi ao salão para cortar. "Fiquei duas horas lá sentada, chorando. E não deixei cortar. Voltei pra casa com o meu cabelo".

Dessa forma, como um gesto de amizade, algumas amigas cortaram o cabelo para Sabrina guardar e, somente depois da oitava quimioterapia o cabelo começou a cair. "Como meu cabelo era ondulado, ele caia e embolava, então me obriguei a cortar. Cortei chanel e guardei o que havia sobrado. Caiu 75% do meu cabelo, mas os 25% eu deixei. Não raspei minha cabeça, por mais que minha mãe falava que tiraria todos os espelhos da casa, eu não quis. Eu teimei com isso e mantive. Cílios e sobrancelha eu perdi tudo, hoje dou muito valor pra isso", descreve.

Durante as 12 sessões de quimioterapia, Sabrina afirma que com o cateter foi tranquilo, não sentia o remédio entrar. Só passou mal na primeira sessão, e nas restantes sentia enjoo que durava cerca de dois dias.

Em abril de 2016, foi marcada a nova cirurgia. "O médico havia me alertado que teria que tirar o útero e o outro ovário. Na época, como eu pensava que não queria ter filhos, foi fácil aceitar. O importante era eu ficar bem. Agora me pesa um pouco pensar que não vou ter a gestação, mas eu sei que ter optado pela minha vida foi a escolha certa", relembra. Um pouco antes da cirurgia, o médico informou que o intestino estava prejudicado e que, possivelmente, teria que tirar um pedaço durante a cirurgia, o que faria com que Sabrina dependesse de uma bolsa coletora. "Eu fui pra cirurgia com a certeza que teria que fazer isso, mas sempre com esperança".

A cirurgia demorou cerca de cinco horas. "Ele tirou meu útero, apêndice, vesícula, ovário e quatro partes do diafragma, mas não precisou tirar parte do intestino", explica. Segundo o médico, 52 linfonodos foram queimados. E, depois da operação, Sabrina teve mais 12 sessões de quimioterapia. "Ele me falou que estava tudo limpo, mas ele dizia que eu precisava fazer as outras sessões naquele momento, para nunca mais precisar fazer. Então eu fiz", conta a estudante.

A última sessão de quimioterapia foi há dois anos atrás, mais precisamente, no dia 13 de setembro de 2016. Logo que finalizou, Sabrina pegou o próprio cabelo que havia guardado e colocou mega hair. "Eu fiquei bem. Agora só faço consultas regulares".

Transmissão de força

"Quando eu descobri que era câncer, todo mundo sentiu comigo. A doença estava em mim, mas eu vi que abateu todos que estavam ao meu redor", relata Sabrina, quanto as pessoas que a ajudaram durante o período. Em cada quimioterapia, a companhia era diferente. Entre amigos e família, todos se revezavam para poder auxiliar a estudante nesse momento. "Nessas horas a gente observa quem está ao nosso lado. Eu sei que todos faziam o que estava ao alcance para me ajudar".

Quanto a palavra 'desistir', Sabrina afirma que isso nunca passou pela cabeça. "Como o meu médico falou que 70% do tratamento dependia de mim, eu tive que pensar que eu precisava aceitar e me cuidar. Assim, eu consegui levar da melhor forma possível. Não chorava mais, fiz todo o tratamento bem comigo mesma", relata.

Ficar sozinha era algo que a estudante buscava evitar, como uma forma de bloquear pensamentos ruins. "O ponto mais importante foi ter as pessoas comigo, porque por mais que era eu quem tinha que passar, se fosse sozinha, provavelmente não conseguiria" declara.

"Hoje parece que foi um pesadelo que eu tive. Eu pensava que a minha vida ia parar, mas agora eu entendo que foi só uma pausa, um atraso. Eu tive que colocar minha saúde em primeiro lugar", relembra a estudante. O período também gerou muito aprendizado, de forma que Sabrina passou a valorizar a vida. "Eu aprendi a valorizar cada fio de cabelo e não reclamar de coisas desnecessárias, porque eu sei que já estive pior. Eu foco nisso. Minha fé só aumentou. Sou muito grata pela minha vida, pelos ensinamentos, pelas pessoas que estiveram comigo e por poder ajudar quem está passando por isso", complementa.

"Eu acho importante ressaltar que o câncer já não tem mais idade. O que eu tive é comum em mulheres acima de 50 anos, mas eu tive com 17. Acredito que se está sentindo algo errado, é preciso buscar ajuda e fazer exames, como forma de prevenção", aconselha Sabrina.

Câncer infantil

Conforme o médico pediatra, Guilherme Damo, o câncer mais prevalente na população pediátrica e em adolescentes não causa tumor, são as leucemia, cânceres das células brancas, que são nossas células de defesa. "Esses cânceres se originam na medula óssea e acabam se espalhando para o resto do organismo. Depois das leucemias é de grande prevalência na infância tumores de sistema nervoso central e também de linfomas. Estes representam mais de 70% dos cânceres infantis", ressalta.

Sobre as causas o pediatra salienta que são multifatoriais, às vezes ligada a uma questão genética hereditária. "O câncer se desenvolve quando uma célula em seu processo de replicação sofre um erro na mutação do seu DNA e começa a se proliferar sem controle, ou seja, como uma proliferação em demasia de determinada célula e o organismo não consegue conter essa proliferação erronia e isso se denomina câncer", aponta o médico pediatra.

Ele ressalta ainda que se detectado de forma precoce é possível ter uma taxa de cura elevadíssima, mas de 70% de chances. O tratamento de cura depende o tipo do câncer. Em caso de tumores abdominais, tumores do sistema nervoso é necessário cirurgia para ressecção do tumor associado à quimioterapia e radioterapia, no caso de leucemia o tratamento é com quimioterapia e o transplante de medula óssea.

Damo menciona que é difícil prevenir o câncer infantil porque ele não está associado a fatores de risco como o adulto. "Os pais devem ter atenção para alguns sinais e sintomas precoce, como por exemplo, dor de cabeça continua e progressiva que ocorre todos os dias, ínguas que não desaparecem e que são dolorosas, nódulos, subcutâneos, manchas na pele que aparecem sem explicação aparente, febre por mais de cinco a sete dias sem ter infecção, perda de peso, palidez, vômitos pela manhã, entre outros. Estes são os sinais de alerta que os pais devem procurar um médico para investigar", destaca acrescentando que são sintomas comuns a tantas outras doenças, mas que de forma continua e prolongada pode ser indicativo de câncer infanto-juvenil.

O pediatra orienta que no primeiro ano de vida da criança é recomendado seis consultas, depois, até os três anos podem ser feitas consultas de rotina a cada seis meses. Dos três anos até os 14 anos o ideal é que a criança vá ao médico uma vez por ano para consulta de rotina.

"Dentre as causas de morte por doença na infância, o câncer ainda é a maior causa de mortalidade. Não tem uma faixa etária específica, para cada tipo de câncer tem suas idades de prevalência, mas não existe uma regra absoluta de idade, pode acometer uma criança menor de um ano a um adolescente", afirma o médico pediatra.


Isabel Muller/



'Indústria 4.0' é tema de palestra na Horus Anterior

'Indústria 4.0' é tema de palestra na Horus

Inicia a Semana Farroupilha Próximo

Inicia a Semana Farroupilha

Deixe seu comentário