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'O dia mais triste da história'
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Eliéser Donhauser -
Chacina em creche de Saudades abala moradores do Vale da Hospitalidade
A chuva calma que caiu na noite da quarta-feira (5) em Saudades não conseguiu amenizar a dor da comunidade pela morte de três alunos e duas agentes educativas do centro de educação infantil Pró-Infância Aquarela. Ao contrário, parece que se juntou às lágrimas de tristeza e desespero derramadas por dois dias pelos familiares e todos aqueles que ainda não conseguem acreditar que um jovem de 18 anos, morador do município, entrou na creche na manhã da terça-feira (4) e assassinou crianças e servidoras a sangue frio.
A primeira informação que circulou na cidade foi de que alguém havia invadido a creche, que fica na Rua Claudino Rudiger, no Centro, e atirado com arma de fogo contra quem lá estava. Isso porque, conforme testemunhas que estiveram no local, o agressor estava munido com bombinhas e, ao estourá-las, deu a impressão de se tratar de tiros.
"Eu vim no lixeiro colocar um lixo e eu escutei barulhos, estrondos, e daí começou logo depois gritos e pedidos por socorro. Eu corri até nos fundos da creche, que dá para ver por trás do muro, e daí as professoras gritando por ajuda, aí eu corri pelo lado e fui pela frente e meu funcionário veio logo atrás. Chegando lá em frente eu pedi o que estava acontecendo, aí disseram que o cara estava armado e a gente não sabia que tipo de arma, a gente escutava uns estouros e achamos que podia ser uma arma de fogo, entramos e o pessoal da empresa de baixo veio logo atrás de nós", relata Ezequiel Vargas Pimentel, proprietário de uma mecânica que fica na rua ao lado da creche.
Só quando os populares entraram no local foi possível constatar que as agressões ocorreram com uma arma branca, posteriormente recolhida pela perícia e identificada como uma espada ninja. O ataque ocorreu por volta das 10h, horário em que as crianças são conduzidas ao espaço comum para o almoço. Um atraso para servir a refeição naquele dia pode ter salvado a vida dos demais alunos e funcionários, que ainda estavam nas salas quando tudo aconteceu.
"Quando eu entrei na sala já tinha vitimado a professora que estava no chão e tinha quatro crianças. Eu vi o indivíduo dentro da sala, mas eu não sabia que era o agressor, não vi arma nenhuma. O cara estava bem vestido, até confundi ele com um professor e acho que ele se assustou também com a minha presença porque não pensou que ia logo entrar alguém para ajudar. Eu entrei no instinto, peguei duas crianças pelo braço e saí correndo para fora. Quando cheguei na rua, pedi ajuda e entreguei uma criança para a professora que é vizinha nossa e trabalha a tarde, e a outra eu peguei e levei para o hospital", conta Ezequiel.
A criança que Ezequiel e a esposa encaminharam ao Hospital de Saudades é Murilo Massing, de um ano e nove meses, que não resistiu à gravidade dos ferimentos e morreu. "Ele estava consciente, esboçava algumas reações, porém estava muito ferido", disse o mecânico. Já Henrique Hubler, de um ano e oito meses, que foi entregue à agente educativa Aline Biazebetti e conduzido por ela e pelo pai ao mesmo hospital, sobreviveu. "Eu não conseguia olhar para ele. Primeiro, porque ele estava machucado; segundo, porque o olhar dele ficou marcado em mim. Não falava, não chorava, nada, estava em choque. Ele estava ferido, eu não sabia se era corte superficial ou não, tentava segurar ele para não mexer muito e chegar no hospital", relata Aline.
Enquanto os dois meninos eram socorridos por populares, as autoridades começavam a chegar na creche. O soldado Blasechi, do Corpo de Bombeiros, definiu o que viu como "uma cena de filme de terror". "Havia bastante correria, professoras, populares e crianças correndo e chorando. Ao adentrar o local, a gente se deparou com três vítimas já em óbito mais o agressor e uma outra professora que estavam com vida. Conduzimos essa professora até o hospital e o agressor foi conduzido ao hospital de Pinhalzinho. Na hora que populares tentaram conter o agressor, ele pegou a própria arma e deferiu um corte contra o próprio pescoço, teve bastante sangramento, mas se encontrava consciente. Ameaçava, falava sobre as vítimas, que tinha matado cinco. Depois, pelo grande sangramento, ficou inconsciente e em estado crítico".
As três pessoas que morreram no local da chacina são a agente educativa Keli Adriane Aniecevski, de 30 anos; Sarah Luiza Mahle Sehn, de um ano e sete meses; e Anna Bela Fernandes de Barros, de um ano e oito meses. A outra agente educacional que foi socorrida com vida é Mirla A. Renner Costa, de 20 anos. Ela havia sido transferida para o Hospital Regional do Oeste, em Chapecó, onde acabou falecendo horas depois.
Após levantamento preliminar de testemunhas, o delegado da comarca de Pinhalzinho, Jeronimo Marçal Ferreira, informou que, ao entrar no local, o agressor atacou Keli, que foi a primeira pessoa que ele encontrou, e que correu para a sala onde estavam as quatro crianças e Mirla. Ele a seguiu e atacou todos que estavam no cômodo. Os demais professores, funcionários e crianças que estavam na creche conseguiram se proteger e chamar a atenção dos vizinhos.
Heroísmo
O centro de educação infantil (CEI) Pró-Infância Aquarela atende cerca de 90 crianças, com idades entre seis meses e dois anos, divididas em dois turnos. A quantidade diária de alunos que frequentam a escola varia em decorrência da pandemia, uma vez que crianças com sintomas respiratórios e/ou com familiares nessa condição não são encaminhadas à creche. A diretora da Educação Infantil de Saudades, Nelci Bamber, que coordena os sete CEIs do município, estava em outra creche no momento do ataque e foi para o local assim que recebeu a informação.
"Primeiro, uma profe me ligou e não consegui atender porque veio uma agente educativa gritando: 'tão dando tiro no Aquarela'. Então eu disse para fechar a escola, saí e fui lá. Eram muitas pessoas me ligando, mandando mensagem, gritando. Cheguei lá, mas não entrei. Me falaram para não entrar porque as cenas eram horríveis, então fui para os fundos. As pessoas corriam desesperadas de dentro para fora, não tive coragem de ir ver, cena de terror. Quando cheguei tinha pouca gente, depois de mim chegou polícia e tudo, mas já tinham vizinhos socorrendo, profes tirando as crianças no colo, evacuando todo mundo", conta.
Entre toda a tristeza que presenciou, a diretora diz que um dos momentos mais impactantes foi quando Evandro Sehn, motorista da Secretaria de Educação, descobriu que a filha Sarah Luiza era uma das vítimas fatais. "Ele corria desesperado de um lado para o outro, perguntava se alguém estava com a filha dele porque não estava encontrando a menina, naquele momento ainda não se sabia quem tinha ficado em óbito. Evandro tinha ido até o hospital e não achou a menina, pedia ajuda para as pessoas. Daí ele foi tentar entrar na escola e não deixaram, mas como ele conhece o local, deu a volta por trás, entrou e viu a filha dele sem vida".
Conforme Nelci, as quatro crianças agredidas eram da mesma turma, coordenada por uma professora e pela agente educativa Mirla. A sala fica logo na entrada da creche, à esquerda, em frente à sala na qual Keli trabalhava e era agente educativa de outra professora e outra turma. Na hora do ataque, a professora da turma de Mirla tinha acabado de ir para a sala dos professores.
"A sala onde a Keli trabalha é de frente para a rua, então elas viram ele entrar, e quando alguém entra na escola, alguém vai atender. Nesse intuito, a Keli saiu da sala dela e foi a primeira vítima que ele atacou. Ela saiu correndo e se dirigiu a essa sala da Mirla e aí ele atacou quem estava nessa sala. Com os gritos da Keli, todo mundo começou a correr apavorado e a trancar as salas. Logo ao lado da sala da Keli tem o berçário e a profe segurou a porta quando ele tentou entrar, ele não conseguiu entrar e se dirigiu para os fundos. Lá, uma agente educativa estava na janela, abrindo ou fechando, e ele atacou ela pela janela e abriu um furo na máscara dela, mas não atingiu ela. Depois disso, chegaram por trás e conseguiram render ele", relata a diretora, segundo o que ouviu das professoras, agentes e funcionárias que presenciaram o ocorrido.
Em meio à tragédia, a diretora exalta os atos de heroísmo de Keli e Mirla. "A Keli não teve nem tempo de pensar, gritou alertando os outros antes de desmaiar. Como a Mirla estava sozinha na sala, ela pegou as quatro crianças no colo e tentou fugir com elas pela porta de trás da sala, tentou ir paro o solário, mas ele veio por lá e atacou ela e as quatro crianças. Com certeza são heroínas, elas deram a vida pelas crianças. A Mirla podia ter corrido sem as crianças, mas ela tentou levar elas junto, e a Keli, nos momentos em que esteve consciente, gritou para alertar", observa.
Nelci comenta que ainda é cedo para se saber quando a creche retornará às atividades e como isso vai ocorrer. O que é certo, segundo ela, é que todos vão precisar de muita ajuda para lidar com o trauma. "Vai ter que ser feito um trabalho muito intenso, acho que os pais não vão mais querer levar os filhos lá. Tem muitas pessoas nos oferecendo ajuda psicológica, precisamos esperar o momento acalmar um pouco, nos reunir e ver o que fazer. Vamos ter muito trabalho, o trauma é muito grande".
Agressor
Ainda na terça-feira (4), a polícia identificou Fabiano Kipper Mai como o autor da chacina. O jovem de 18 anos é morador de Saudades e aproveitou o intervalo do trabalho para sair da empresa e se dirigir à creche de bicicleta para praticar o crime. Após tentar cometer suicídio, ele foi socorrido e encaminhado ao hospital de Pinhalzinho. Posteriormente, foi transferido ao hospital de Chapecó, onde passou por cirurgia e seguia internado em estado grave até a manhã da quinta-feira (6), quando havia sido repassada a atualização mais recente do quadro clínico antes do fechamento dessa
Segundo o delegado Jeronimo Marçal Ferreira, Fabiano entrou no local com duas armas brancas que ele havia comprado recentemente, mas usou apenas uma para as agressões. O perfil inicialmente traçado pela polícia aponta que se trata de um jovem problemático, de família humilde, que vinha enfrentando bullying na escola onde cursava o ensino médio e, por isso, não queria mais frequentá-la. Maltratava animais, era introspectivo, gostava de jogos online, alguns jogos com violência, e tinha alguns problemas dentro de casa. Era um jovem trabalhador, não era muito de sair e socializar, não tinha celular e havia se afastado de amigos nos últimos dias.
"Um jovem problemático, mas dentro da normalidade, ninguém esperava isso dele. Espero conseguir interrogá-lo, claro que ele tem o direito de ficar em silêncio, mas eu quero ver o que ele vai contar para a gente poder juntar com peças de investigação que estamos coletando com a versão dele para tentar entender a motivação desse crime", disse.
Os autos de prisão em flagrante do rapaz chegaram ao Poder Judiciário de Santa Catarina na madrugada da quarta (5). Após manifestações do promotor de justiça e do defensor dativo, o juiz da comarca de Pinhalzinho, Caio Lemgruber Taborda, converteu a prisão em flagrante do suspeito em prisão preventiva. Taborda também deferiu o pedido da Polícia Civil para quebra de sigilo de dados, necessária para análise de computadores, videogame e pen drive apreendidos na residência do suspeito.
O magistrado fez uma observação sobre o comportamento do agressor. "Além disso, o que também causa perplexidade é a absoluta falta de arrependimento do agente após a prática de atos de tamanha crueldade, pois conforme relato das testemunhas, embora gravemente ferido, o agente conversava com os policiais e com os agentes do Corpo de Bombeiros e, por mais espécie que cause, sua maior preocupação era quantas pessoas havia conseguido matar, demonstrando seu desprezo pela vida humana e a sua incapacidade de retornar, ao menos neste momento inicial e mediante as informações coletadas, ao convívio da sociedade, o que demanda seu encarceramento cautelar".
O promotor de justiça da comarca, Douglas Dellazari, se manifestou pela prisão preventiva. A defesa foi feita pelo advogado nomeado, Kleber dos Passos Jardim, do município de Papanduvas, região Norte catarinense. O defensor dativo solicitou averiguação de sanidade mental já que o agressor apresenta traços de psicopatia. O pedido foi indeferido pelo juiz. O caso tramita em segredo de justiça na comarca de Pinhalzinho, que atende à demanda de Saudades e Nova Erechim.
*Com informações do TJSC
Despedida
Centenas de pessoas compareceram ao velório coletivo que ocorreu durante a madrugada e a manhã da quarta-feira (5) no Módulo Esportivo de Saudades, que fica no Parque de Exposições Theobaldo Hermes. Pais se debruçavam sobre os caixões sem acreditar que aquele seria o último adeus aos filhos, tirados de seu convívio de forma tão repentina e cruel.
"É um momento de muita tristeza, a gente tenta buscar palavras para confortar os familiares, todas as pessoas são conhecidas nossa, somos um município pequeno onde todos se conhecem. É parte da gente essa dor. Recebemos apoio do governo do estado e do governo federal, decretamos luto oficial de três dias. Precisamos buscar forças para estar consolando os familiares que perderam essas pessoas tão importantes", disse o prefeito de Saudades, Maciel Schneider, que, ainda na terça (4), havia afirmado que aquele era "o dia mais triste da história do município".
Por volta das 9h, o bispo Dom Odelir José Magri, da Diocese de Chapecó, e o padre Armando Grützmann conduziram uma celebração no local, que foi acompanhada de muita emoção, principalmente quando as servidoras da creche subiram ao palco e cantaram, muito emocionadas, a música "Aquarela", de Toquinho. Na sequência, um cortejo fúnebre encaminhou os corpos para o sepultamento no Cemitério Municipal de Saudades.
Apoio
A governadora de Santa Catarina, Daniela Reinehr, que já havia estado no município no final da tarde da terça-feira (4), também foi ao velório. "É uma barbaridade que a gente não tem palavras para tentar confortar as famílias, para tentar diminuir o sofrimento das pessoas. Cabe a nós deixar o Estado à disposição, já pedi agilidade em todos os serviços, o acompanhamento psicológico e social, enfim, tudo aquilo em que o Estado puder ajudar está à disposição. É o momento de abraçar as famílias, prestar nossa solidariedade", declarou.
Ainda de acordo com ela, a partir de agora serão estabelecidos estudos de casos como esse, "que despertam a necessidade de ver o que está acontecendo na nossa sociedade, fazer políticas públicas, melhorar a segurança nas escolas, com certeza a gente vai encaminhar algo nesse sentido, já estamos estudando e conversando e as polícias estão empenhadas na investigação do caso", complementou.
O presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), deputado estadual Mauro De Nadal, prestou condolências às famílias no velório e reforçou a necessidade de debater o que ocorreu na cidade. "É a tristeza de todos os catarinenses, jamais imaginaríamos que uma situação dessa natureza acontecesse no nosso estado, ainda mais aqui nessa região que é muito calma, muito tranquila. Isso nos chama a atenção para o desenvolvimento de algumas questões importantes para a formação das crianças e adolescentes e a segurança nos educandários. Temos que repensar nosso modelo de educação, mas, acima de tudo, fazer o monitoramento das nossas crianças dentro dos nossos lares, porque há um distanciamento muito grande de pais e filhos hoje em dia pelo acesso muito rápido e fácil das redes sociais e internet, e isso tudo chama a atenção para estudarmos políticas mais pontuais para que possamos dar mais atenção a isso".
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