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Um século de muitas histórias

A humilde história de Clementino, que chega aos 102 anos com energia e vontade de viver

O ano é 1916. Para alguns, relembra histórias ouvidas sobre a Primeira Guerra Mundial. Mas, para seu Clementino, essa é uma data especial. Clementino Antunes de Almeida, 102 anos. Nasceu em 21 de janeiro de 1916, na cidade de Nonoai, Rio Grande do Sul. Atualmente, mora na Linha Amizade, no município de Nova Itaberaba.

Clementino tem muita história para contar. Quem é que imagina que chegará a um século de vida e poderá participar dos JASTI (Jogos Abertos da Terceira Idade)? Pois bem, Clementino chegou e conquistou medalhas. E quem é que já ouviu falar no homem que morou por 70 anos na ilha? Esse é o Clementino. Importante ressaltar que ele só saiu de lá, devido às enchentes que problematizavam a vida na ilha.

"Quando cheguei aqui pela primeira vez, foi quando aconteceu a revolta de 32, e o nosso acampamento ficava ali pertinho. Mas era tudo mato, a gente precisava tomar cuidado com os bichos", relembra Clementino, ao mencionar a primeira vez que veio até Nova Itaberaba. A revolta de 1932 diz respeito a Revolução Constitucionalista, pela qual, chimangos e maragatos lutaram entre si, por ocupar posições diferentes relacionadas a Vargas. "Podiam até ser irmãos, mas se um era chimango e outro maragato, brigavam. E essa briga durou bastante tempo, por isso vim pra cá, junto com meu pai. Aqui não tinha morador, né? Era tudo virado em bicho e peixe", explica Clementino. Depois da revolta, a família retornou à Nonoai e, ainda em 1935, com mais uma revolta, voltou à Nova Itaberaba, por pouco tempo. 

Quando Clementino foi morar na ilha, vivia da pesca. "Eu pescava por profissão mesmo, tinha carteira e tudo. Era bom demais morar na ilha, mas quando dava enchente muito grande, era difícil. Pra mim sempre era bom, porque eu me criei na água", afirma o pescador, orgulhoso. No esporte, Clementino sempre participou. Bocha e baralho são as modalidades preferidas. Quando ia para a cidade vender os peixes, já aproveitava para jogar com os amigos. "Gosto de participar desses jogos e campeonatos promovidos pela prefeitura, quando me levam eu sempre vou de bom coração".

Mas não foi só com a pesca que Clementino trabalhou. "Quando entraram as madeiras, eu fazia balsa e cortava as toras. Às vezes, fazia viagens de quatro a oito dias, e depois voltava para casa. Fazia onde tinha remanso, ia no Rio Uruguai, empanava com madeira e levava até São Borja. Tenho 22 viagens de balsa", ressalta.

Quanto a família, Clementino casou e ficou viúvo quatro vezes, tem 22 filhos. Há 16 anos, casou novamente e foi morar na propriedade atual, na Linha Amizade, onde tem a companhia de galinhas, vacas e cachorros. "Eu tinha 12 irmãos, mas estão todos falecidos. Eu era o neném da família", explica Clementino.

Ao ser questionado sobre a sua percepção do mundo atualmente, Clementino avalia que as coisas são diferentes do que eram. "Hoje em dia tá muito perigoso. Meus filhos nunca me incomodaram, mas eu não surrava. Usava sempre o conselho e alguma varadinha de vez em quando. Hoje só se criam na briga, sem respeito e usam essas porcarias de drogas. Eu acho que o mundo tá bom, só que o povo é muito perigoso". E, para chegar aos 102 anos, o pescador aconselha a alegria e fazer o bem.

Benzimento

Do outro lado do pátio, Clementino tem um espaço que utiliza para o benzimento. "Benzo muito e benzo só para o bem, ajudo quem está doente e dou remédios. Só faço o bem para o povo, assim o bem volta pra mim também. Meu pai era curandeiro e me ensinou", explica. O espaço é decorado com utensílios que Clementino gosta, santos, velas, remédios, fotografias e quadros. Em cada ombro, o benzedor usa seus "guias", no estilo de colares, que servem para a proteção.

Quando entra na sala, acende as velas e, afirma que usa de três a quatro maços de velas por dia. Na sala, Clementino sempre recebe as pessoas. "Recebo muita gente, teve um sábado que eu atendi 52 pessoas. Naquele dia, cheguei a ficar doente, mas doente de cansado". E, enquanto enquanto conta suas histórias, aproveita para mostrar os remédios naturais que vende, todos a base de ervas. "Esse aqui veio de um índio lá do Mato Grosso, ele tem 116 anos. Eu trabalhava pra ele, era colhedor de remédios, em Nonoai. Depois, ele foi morar lá e agora por jornal e internet, ele me descobriu. Me mandou remédio de tudo que é tipo", relembra.

Atualmente, Clementino dedica o seu tempo para o benzimento, com o objetivo de ajudar as pessoas. Quando acorda, toma o seu chimarrão e se prepara para receber as pessoas. "Eu estou muito contente, porque eu faço o bem para o povo. Todo mundo me quer bem. Até que eu consigo, vou levando. Nem que seja meio nervoso, temos que ficar contentes, não adianta ficar aborrecido. Pior seria a doença. Às vezes eu fico um pouco nervoso, mas logo chega um conhecido, já invento alguma brincadeira e esqueço daquelas porcarias que estava pensando, daí passa".

Católico, Clementino afirma que o segredo da vida está em ser feliz. Para a felicidade, não tem tempo ruim.


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